O mundo ao contrário...


Neste mundo onde não podemos sentir-nos humanos, neste mundo em que passamos a ser não-humanos, nós, os que choramos, neste mundo são as refeições que nos engolem e nos devoram, são as roupas que nos vestem, são as casas que nos habitam e são os bens que nos consomem.

E assim, comidos pelas coisas que colocamos em cima dos pratos, vestidos pelas roupas que nos classificam, habitados pelas casas que nos faltam ou nos invadem com o seu excesso de coisas e a sua falta de vazio, consumidos até ao fio pelos bens que trocamos pelo tempo das vidas, é neste mundo ao contrário em que nós os não-humanos não sabemos como pôr os pés, não sabemos onde colocar os corpos, nem sabemos como viver.

Porque já não é de dentro mas de fora dos corpos que nos assaltam e atingem os órgãos.

É do lado de fora que nos acertam os corações, os estômagos, os olhos e os ouvidos que nos furam as almas e as cabeças, como projécteis súbitos ou foguetes cruéis de uma estranha dor invertida.

A desmesurada dor dos outros que nos atinge de fora.