Sempre a crescer!... Sempre a engordar!...



Mas você acredita, caro leitor, que algum destes povos ricos se sinta, digamos assim, «pesado»?

Quero dizer, pesado de coisas, de ambições, de lixo, ou de números?

«Pesado de coisas ou de números?!...» Dirão todos em coro, quer os pobres, quer os ricos. 

«Que disparate!...»

«É preciso sempre mais, mais, mais e mais!...»

Você acredita que alguém desta estirpe dos anafados e fartos diga: 

«Já chega. Já temos o suficiente.»?

Há lá coisa que apoquente mais uma economia florescente que o abrandamento do crescimento, isto é, que a recessão?

É preciso comer sempre mais e engordar, engordar, engordar... até explodir!...

Mais dinheiro, virtual ou real, mais automóveis, mais autoestradas, mais casas, mais roupas, mais telefones, mais relógios, mais televisões, mais máquinas, mais lixo e mais, mais, mais!...

Sempre mais!...

É preciso estar sempre na crista da onda, na ponta de lança do último modelo de todas as coisas!

Desejo que não seja capturado pela propaganda e domesticado pelo marketing, pela competição e pela normalidade?

Já quase ninguém sabe o que isso é.

Sobriedade?

Essa é uma ideia que simplesmente faz empalidecer todos os ébrios das coisas e da vaidade, ainda mais que os bêbados.

Você pode ser feliz a juntar peças de madeira ou a andar com os pés descalços na relva, mas não há-de ter tempo para descobri-lo no meio de todas as suas obrigações e planos para o sucesso.

Ah!... Todos estes povos ricos que trabalham para ser mais ricos na mira do ócio, sem saber o tédio que isso é!...

Onde está aquela antiga imaginação para brincar, para simplesmente brincar, não com as coisas que compramos, mas com as coisas que inventamos?

Ainda mal comecei, meu caro leitor, na exposição inicial do meu raciocínio, e já estou tão cansado, tão desanimado e tão exaurido...

Faltam-me as forças, quando penso neste mundo...

Motivar-me-ia mais se você não fosse um destes tristes humanos ou uma destas gordas e bem nutridas almas claudicantes e ambiciosas de bens, mas um extraterrestre que me trouxesse uma doce lufada de ar fresco.

Não lhe chamaria: «Caro leitor».

Não.

Chamar-lhe-ia: «Caro extraterrestre».

Far-lhe-ia porventura uma pergunta, apenas uma ou duas perguntas.

«Caro extraterrestre, porque é que não nos contacta?»

Ou então: «Porque é que não nos inspira?»

Ah!... Se fôssemos um pouco menos humanos!...

Se você é humano, de uma vez por todas, demita-se!...

Caro leitor, não fique para aí especado.

Eu avisei-o.

Eu disse-lhe que não podia garantir-lhe nada.

Acho mesmo melhor que desapareça de uma vez por todas, antes que comece a sentir-se muito mal.

Infelizmente, parece que não terei nada de aliciante a dizer-lhe, nem a si, nem a esse inusitado extraterrestre, quando chegar.

Porque ele não quererá pôr os pés numa tal casa (se os tiver).
 

Aqui e agora!


Abandonemos então o infinito, e concentremo-nos no presente.

Aqui e agora!... Aquisíssimo e agoríssima!...

Como sabe, o nosso planeta tem actualmente duzentos e vinte e seis países, pelos quais se distribuem cerca de sete biliões de pessoas.

Se em países como Liechtenstein ou Catar as pessoas auferem de um rendimento per capita de cerca de cento e quarenta mil dólares americanos, no Níger, na Eritreia, no Burundi, na Somália, no Zimbabwe, na Libéria ou no Congo-Kinshasa definha-se, ou simplesmente morre-se, com menos de oitocentos dólares por ano.

Enquanto no Luxemburgo, nas Bermudas, no Mónaco, em Singapura, em Jersey, nas Ilhas Falkland, na Noruega, em Brunei, em Hong Kong, nos Estados Unidos, nos Emirados Árabes Unidos, em Guernsey, na Suiça, nas Ilhas Caimão, em Gibraltar, nos Países Baixos, na Áustria, no Kuwait, no Canadá, na Suécia e na Austrália..., entre outros, os povos florescem naquela doce inconsciência e suave olvido de que aos ricos seja mais difícil transpor a porta do reino dos céus do que a um camelo passar pelo buraco de uma agulha, no Perú, no Azerbaijão, na Colômbia, na Macedónia, na Sérvia, na África do Sul, nas Ilhas Turcas e Caicos, em São Vicente e Granadinas, em Montenegro e no Brasil, as multidões lutam por passar da sobrevivência à dignidade humana, sem o consolo de imaginar ou perceber como possam ter vencido, pela experiência da miséria e da pobreza, uma prova espiritual. 

Console-se, caro leitor, porque se é o caso que você possui em bens o equivalente a uma mota usada, então saiba que está entre os três biliões e quinhentos milhões de pessoas mais ricas do mundo inteiro!...

Não é realmente uma alegria estar entre a metade dos mais ricos do mundo?...

A outra metade dos seres humanos aufere de menos ou de muito, muitíssimo menos que isso!...

Mas o que são os seres humanos?

Aqueles que possuem uma casita simples estão já entre os dez por cento mais ricos do mundo, pois todos os outros, esses ou não têm um tecto firme que lhes cubra as cabeças durante o sono, ou pagam-no em porções chorudas do seu incerto salário mensal, ou seja, em rendas.

Segundo as estatísticas, apenas trinta e dois milhões de pessoas podem ser consideradas ricas.

Mas trinta e dois milhões é já um grande número!... Ena!... 

Metade da riqueza mundial é controlada por apenas um por cento da população e a riqueza acumulada pelas oitenta e cinco pessoas mais ricas do mundo corresponde aos recursos disponíveis para mais de metade dos pobres de todo o mundo, não é maravilhoso?

Ficamos simplesmente embevecidos com uma organização humana tão notável.


OPs METO ÇAPSE!...


Caríssimo e cada vez mais estimado leitor, já que você decidiu acompanhar-me (ainda que de um modo provisório), façamos um breve resumo.

Viajámos do nosso corpo para o planeta, do planeta para o espaço, do espaço para o sistema solar, para as estrelas, para as galáxias e para o universo.

Fomos das unidades para as dezenas, para as centenas, para os milhares, para os milhões, para os triliões, para os anos-luz e para os megaparsecs.

Demos tais saltos no incomensurável que ficámos reduzidos a uma insignificância indescritível.

Imaginámos uma vida extraterrestre que habitasse, não noutro planeta ou noutra galáxia, mas nas sinapses involuntárias dos neurónios do nosso cérebro, nas franjas do inaudível, do invisível e do insensível.

Face a um tal infinito, o nosso coração apertou-se. 

«Que diferença faz uma vida?» 

«Que diferença faz a virtude?»

Quanto ao seu caso não posso pronunciar-me de modo algum, mas confesso-lhe que a mim pessoalmente tanto me faz que o universo se divida em percentagens inimagináveis de energia escura e matéria negra e só depois numa ínfima percentagem de «matéria normal» - aparentemente, a nossa.

Tanto me faz que o mundo se sustente em cima de quatro elefantes às costas de uma tartaruga-do-mar, ou não.

Perguntarei sempre:

«Os elefantes de onde vieram?»

«A tartaruga para onde vai?»

«A matéria negra de onde veio?»

«A energia escura para onde vai?»

«Onde acaba o mar onde nada a tartaruga?»

«E além do universo o que há?»

O mais terrível é a insignificância insuportável a que parece reduzir-nos o espaço infinito, o mais intolerável é a indiferença odiosa em que se anula a alegria e a dor, a guerra e a paz, o crime e a reparação, a justiça e a desigualdade, a vida e a morte, uma criança, uma borboleta, ou um cão.

Não quero cansá-lo com raciocínios que o deixariam exausto, estimado leitor, se é que ainda sobrevive diante das letras, se é que a paciência e os olhos ainda lhe assistem.

Não vou descrever-lhe com minúcia o brilhante pensamento de dois homens que transformaram o espaço e o tempo, um, numa simples forma da intuição (humana), e outro num dos aspectos que uma substância infinita pudesse ter - como se o espaço e o tempo fossem uma das faces de um poliedro infinito.

Você consegue imaginar um poliedro infinito?

É claro que sim!...

É muito mais fácil que um megaparsec!...

Visto de longe é uma esfera, visto de perto é um fractal.

Mas eu não quero deixá-lo de rastos, notável leitor. 

Já que sobreviveu até aqui, você é neste momento um elemento absolutamente precioso para todos nós.

Semelhante empresa seria tarefa para um livro inteiro e, além disso e o que é ainda mais grave, ficaríamos sem explicação para o silêncio dos extraterrestres.

O que importa reter de tudo isto é que facilmente podemos arrasar com o espaço e com o tempo, ou, pelo menos, comprometê-los de tal forma que temos de começar a pensar tudo do início.

Peguemos no espaço, peguemos no tempo.

«OPs METO ÇAPSE!...»

E principalmente que não nos levem os fígados, nem os dedos, nem as pestanas, nem nos espoliem das nossas almas.

«Aqui e agora!...»

«Aqui e agora!...»

«Aqui e agora!...»

É o que gritam na nova paisagem os pássaros loucos de um velho apocalipse.

Indispensável leitor, prepare-se.

A nossa perspectiva vai mudar.

A mais nua e a mais patética das verdades


Isto não é um pedido de benevolência (ou captatio benevolentia, de acordo com os velhos mestres), mas a mais nua e a mais patética das verdades.

Existe nestas frases que me escrevem (e este é um facto muito superior à impressão incerta que ambos temos de que eu as escreva), uma força obscura que me varre, ora para o lado do insecto, ora para o lado da matéria negra que compõe o fundo das galáxias e dos universos, ora para o lado opaco e intraduzível do animal.

Há momentos terríveis em que não sei realmente se estou do lado da aranha ligeiríssima de oito patas dançarinas e antenas perspicazes; do lado da formiga trabalhadora que tão bem contribui para a coesão social da sua comunidade original; do lado da mulher adúltera coberta de mel dentro do buraco ao sol, aguardando com pânico cego a devoração pública; ou do lado do brilho energético de uma estrela distante, como uma tranquila partícula contemplativa e liberta de qualquer afecto.

As referências do meu universo habitualmente escalonado pelo padrão da minha medida singular esboroam-se como um castelinho de areia nas franjas de uma praia atlântica batida pelo mar numa tempestade de Inverno, e o meu chão foge-me dos pés como se fosse um pântano de fumo ou de feitiços, menos seguro ainda do que se caminhasse em Plutão.

Meu querido leitor, não queira estar na minha posição, nem queira de todo ocupar este miserável e turbulento lugar!...

Sinto com uma mágoa imensa que não posso garantir-lhe nada, que não posso oferecer-lhe nenhuma espécie de coerência.

Não é de todo o melhor que posso advogar em meu favor, sei-o sem sombra de qualquer dúvida. 

E é até possível que, no decurso destas frases, o fiel e excepcional leitor que sobrevive a tanto caos e a tanta tortura se aperceba de súbito, e não sem horror, que está a ser contactado por um extraterrestre.

As voltas e contra-voltas e as torções a que este pensamento me obriga fazem com que a negra e pavorosa escarpa da loucura me espreite com um rosto ao mesmo tempo imperceptível, subtil e terrível, nas franjas de cada parágrafo, e por isso não é de todo inconcebível que no fim deste blogue eu não seja mais aquele mesmo escritor que lhe deu início, caro e eventual leitor sobrevivente.

Mesmo assim, e apesar de todos os perigos, continuo disposto a avançar ferreamente neste caminho não traçado e que me faz oscilar e por vezes até dançar entre a razão, o terror, o desejo e o delírio.

E você?

As galáxias, os quatro elefantes e a tartaruga


Poderá do contacto com a vida inteligente eventualmente gerada noutros pontos do universo advir por fim a tão almejada salvação messiânica, enfim uma Nova Era de Ouro que para sempre nos redima de todas as ignóbeis e famigeradas fraquezas do carácter e da carne, que de um modo tão implacável nos consomem, a nós, a denominada humanidade?
 
Virão em espantosas naves fulgentes e douradas esses membros soberbos de um luminoso exército extraterrestre separar com espadas de luz e fogo o trigo do joio, o bom do mau, o santo do vil, extraindo para sempre o sal das almas e realizando enfim a promessa de uma justiça reparadora, final e definitiva, afinal, sempre adiada?

Ou, pelo contrário, será que essa forma de vida extraterrestre é de tal ordem que se desenvolveu totalmente fora dos limites daquilo que conhecemos por «vida» e que, portanto, e à semelhança de uma sinfonia ou de um quarteto que um génio alienígena tivesse composto com sons abaixo dos vinte hertz, ou acima dos vinte mil hertz, apenas seja perceptível para um cão, um morcego ou um golfinho, escapando desse modo de uma forma total e completa aos limites entre os quais se encerra a nossa capacidade de tornar inteligíveis as coisas que se apresentam aos sentidos?

Se é verdade que certa temperatura, certa composição da atmosfera, certo grau de humidade e mesmo a duração e a intensidade de conhecidas privações menores, quando comparadas com a ideia de arder em menos de um fogacho à temperatura de quatrocentos e sessenta graus Celsius na superfície de Vénus, ou de congelar em menos de um nano-segundo à temperatura de cento e trinta graus negativos no interior das chamas geladas do gás de Saturno, isto é, se é um facto que privações menores como a fome, o frio, a sede e a solidão nos podem aniquilar em muito menos tempo do que se imagina, e se mesmo estas triviais limitações nos proíbem a ideia de uma viagem fácil ao descarnado satélite que é o mais próximo de todos em relação ao nosso planeta, a lua, então que dizer dos tremendos obstáculos às viagens intergalácticas que nos poriam em contacto com terras, jardins e paraísos em tudo semelhantes ao nosso, e, para cúmulo da nossa alegria, com os avançados anjos dissemelhantes de tais formas de vida híper-distantes?

Não é certo, porém, que as reacções químicas típicas dos organismos que conhecemos neste nosso variegado, belo e colorido planeta sejam o único ponto de partida para a existência de vida no universo.

Podemos imaginar uma forma de vida extraterrestre que habite nas frequências do inaudível e do invisível, fora dos nossos olhos e dos nossos ouvidos, uma vida extraterrestre que se tenha evadido da geometria para singrar no inimaginável que não se rende ao espaço-tempo com que a nossa pobre e pequena mente se resigna a medir o que é real?

É possível até que haja música de outras esferas nas sinapses insensíveis dos nossos cérebros e que os nossos pensamentos involuntários formem uma vasta colónia alienígena que imperceptivelmente tece e conquista as nossas almas do avesso.

É possível que haja pedra de planetas distantes e de outros asteróides no cálcio dos nossos ossos e no esmalte dos nossos dentes.

Não sabemos sequer de que massa somos feitos, nem de que velocidades insensíveis e incapturáveis se compõem as nossas almas inclassificáveis.

Talvez venhamos a descobrir, não sei com que delicada alegria e juvenil surpresa, por muito velhos que então sejamos, que este universo constituído, segundo dizem, na sua grande parte por energia escura (ao que parece, são cerca de dois terços do universo que são formados por esta energia), uma energia cujos efeitos de atracção gravitacional negativa se medem numa escala de mil megaparsecs (e um megaparsec são três vírgula dois milhões de anos-luz...); que este universo constituído em cerca de um terço da sua totalidade por matéria negra, cujos efeitos de atracção se medem apenas numa escala de dez megaparsecs...; e que este universo por fim constituído, e só por fim!..., por cinco por cento de matéria normal - isto é, na sua grande parte hidrogénio e hélio e só depois estrelas, neutrinos e, ainda em menor quantidade, elementos pesados e mais familiares ao humano, tais como o carbono, o oxigénio, o azoto, o nitrogénio, o silício e o ouro -; talvez venhamos a descobrir que afinal todo este comboio de matérias paradoxais e energias de cores opostas caminha sustentado sobre quatro elefantes de pé em cima de uma grande tartaruga-do-mar, que afinal navega, não sobre as águas que banham as margens do infinito, mas sobre as almas energéticas, evanescentes, diáfanas e absolutamente eléctricas de todas as singularidades possíveis e impossíveis do cosmos, essências cristalinas e ultra-concentradas mas prestes a explodir à mínima e miraculosa oportunidade entretanto surgida, voando velozmente com um salto alegre e imediato para um desses mundos paralelos da matéria física concretizável.

Caro leitor, você consegue imaginar um megaparsec?