Alfentanil



Alfentanil.
Bruprenorfina.
Fentanil.
Codeína.
Fecha os olhos,
amigo - sorri.
Heroína. Metadona.
Morfina. Nalbufina.
Trabalhadores de todo o mundo!...
Ouvi!...
Não deixem de colher as papoilas!...
Eia!... Juntem as sementes -
que a dor agora vai voar!...
Ah!… Bela dor!... 
Adeus.
Oxicodona.
Petidina.
Ra-mi-fen-ta-nil.
Sufentanil.
Esqueçam a morte.
Esqueçam, esqueçam.
Di-hi-dro-co-de-í-na.
Tramadol.
Esqueçam o crime. A culpa.
O desejo. O pequeno-almoço.
As vítimas do holocausto. 
O absurdo.
Soltem de vez as amarras!...
Apaguem de um só golpe
todas as lâmpadas!...
Com a máxima leveza
e a insuperável elegância
de uma espadeirada bem cruel
- e das mais fortes -
abulam os raciocínios, a lógica,
a necessidade e as consequências.
Ah!... Que delícia!...
Quando nasci deve ter sido assim.
Assim fluído.  Assim suspenso.
Assim livre. Assim veloz.
Só um raio de luz de chama infinita -
estrela cósmica cadente
de cauda divina indefinida
e quente quente quente... Ah!...
Querem mais do que isto?...
Escrevam - Um raio de luz
talvez seja um animal. 
Juntem sementes em sacos.
Juntem-nas em cilos que cheguem aos céus
com uma escada em caracol à volta
e que nós subamos por ela,
aos tombos - com flores na testa,
pés descalços
e pássaros nas palmas das mãos
e perguntemos a Deus,
como Deus perguntou a Caim: 
O que é isto?...
O que fizeste?...
Mas primeiro dizemos boa tarde.
Não somos indelicados.
Ó leões nascidos na jaula!...
Sermos... e não sermos mais…
Só porque prefere, 
em vez dos frutos da terra, 
o sangue dos animais,
Deus é agora o novo Caim.
Trepem!… Trepem!…
Lá no topo da bela escada
que sobe aos céus em caracol
nós os privilegiados
podemos sorrir embevecidos
para Deus. Mas ai
que nos voam das mãos
os pássaros, as borboletas,
os cigarros e os papillons 
que trazíamos ao pescoço
e já agora nos pulsos
(só para enfeitar).
Dançamos uma valsa?...
Não temos nada a reclamar.
Deus é belo - e a vida também.
Que é isto que vejo?
Um monóculo?!
Ah... é meu... 
Desculpe. Deixei cair.
Quem disse que Deus
alguma vez usou monóculo?
Assim é que era!...
Que luzinhas tão simpáticas.
Já não se erguem muralhas
por dentro da carne.
Já não há nós nem amarras
nem entre os ossos -
existem tendões.
Ó corpo sem cordas nem traves!...
Nem figura. Nem sepultura.
Nem peso nem divisões
entre a terra e os pés
ou entre as pernas
e a cintura de um chapéu
que esteja enfeitado
com uma pena de falcão,
uma fita - e uma sineta.
Por dentro da carne - nenhum órgão.
Ó alma sem andaimes nenhuns!...
Fzzzz!....
Nem respirar. Nem caminhar.
Nem rumo. Nem coração.
É só onda
- a curva suspensa -
sem princípio nem fim.
Sombra, rasto
- poeira ou espuma -
que é como a cauda
de uma estrela infinita.
 Arde, arde, arde!...
Meu Deus... - como ardes!...
Já não somos
os escravos cardíacos das estrelas.
Baloiçamos do nosso coração
como um leve corpo descendente
que penda de um pára-quedas ao sol.
Não olhamos para baixo.
Não ficamos com vertigens.
Mas só com receita médica.
Nos países civilizados é assim.
Os opiáceos não circulam livremente,
ainda que os ingleses, esses rafeiros,
os trocassem no século XIX
por porcelanas, sedas e chá,
e por esse comércio se bateram
contra os chineses, ganhando
a ilha de Hong-Kong 
por cento e cinquenta e cinco anos.
Ai!... Feliz de ti
se te arrancam um dente
e colocam um implante
- estás como quem levou um soco na cara -
e como não leste a bula, andas tão contente,
nem sabes porquê, mas sentes 
que é melhor tomar mais um
daqueles comprimidos.
Sempre há o picante, o sono,
o álcool, o clorofórmio,
o sexo, as fantasias,
e talvez o adultério.
Montem a galope nas nuvens,
vá, não tenham vergonha!... 
Cerimónias para quê?...
Em cima das nuvens pode-se fazer
nudismo e pairar à vontade,
tal como os anjos no tecto
da Capela Sistina em Roma.
Só há uma coisa
que é mesmo importante
que é não esquecer a bolsinha
com o leite de côco,
porque aos que trepam ligeiros
pelas costas dos deuses
sempre é útil o gin, 
o vodka, o absinto,
as benzodiazepinas, 
o propofol - e o bronzeador.
Toca a trabalhar, portanto.
Já que a realidade não transige,
desligam-se uns neurotransmissores
do flébil sistema neuronal.
Sempre soubemos fazer isso.
Ah!.. mas quem diria -
que afinal haveria
receptores opióides
nos sistemas neuronais
do intestino?
Faz sentido.
O corpo sabia.
Assaz o estômago dói
quando se ama.
Deve ser por causa
dos receptores opióides
do intestino.


Alfentanil.
Bruprenorfina.
Fentanil.
Codeína.
Fecha os olhos,
amigo - sorri.
Heroína. Metadona.
Morfina. Nalbufina.
Trabalhadores de todo o mundo!...
Ouvi!...
Não deixem de colher as papoilas!...
Eia!... Juntem as sementes -
que a dor agora vai voar!...
Ah!.. Bela dor!... 
Adeus.
Oxicodona.
Petidina.
Ra-mi-fen-ta-nil.
Sufentanil.
Esqueçam a morte.
Esqueçam, esqueçam.
Di-hi-dro-co-de-í-na.
Tramadol.
Esqueçam o crime. A culpa.
O desejo. O pequeno-almoço.
As vítimas do holocausto. 
O absurdo.
Soltem de vez as amarras!...
Apaguem de um só golpe
todas as lâmpadas!...
Com a máxima leveza
e a insuperável elegância
de uma espadeirada bem cruel
- e das mais fortes -
abulam os raciocínios, a lógica,
a necessidade e as consequências.
Ah!... Que delícia!...
Quando nasci deve ter sido assim.
Assim fluído.  Assim suspenso.
Assim livre. Assim veloz.
Só um raio de luz de chama infinita -
estrela cósmica cadente
de cauda divina indefinida
e quente quente quente... Ah!...
Querem mais do que isto?...
Escrevam - Um raio de luz
talvez seja um animal. 
Eia!... Eia!...
Juntem sementes em sacos.
Juntem-nas em cilos que cheguem aos céus
com uma escada em caracol à volta
e que nós subamos por ela,
aos tombos - com flores na testa,
pés descalços
e pássaros nas palmas das mãos
e perguntemos a Deus,
como Deus perguntou a Caim: 
O que é isto?...
O que fizeste?...
Mas primeiro dizemos boa tarde.
Não somos indelicados.
Ah!... Ó leões nascidos na jaula!...
Sermos... e não sermos mais.
Só porque prefere, 
em vez dos frutos da terra, 
o sangue dos animais,
Deus é agora o novo Caim.
Lá no topo da bela escada
que sobe aos céus em caracol
nós hoje os privilegiados
podemos sorrir embevecidos
para Deus. Mas ai
que nos voam das mãos
os pássaros, as borboletas,
os cigarros e os os papillons 
que trazíamos ao pescoço
e já agora nos pulsos
(só para enfeitar).
Dançamos uma valsa?...
Não temos nada a reclamar.
Deus é belo - e a vida também.
Que é isto que vejo?
Um monóculo?!
Ah... é meu... 
Desculpe. Deixei cair.
Quem disse que Deus
alguma vez usou monóculo?
Assim é que era!...
Que luzinhas tão simpáticas.
Eia!... Eia!...
Já não se erguem muralhas
por dentro da carne.
Já não há nós nem amarras
nem entre os ossos -
existem tendões.
Ó corpo sem cordas nem traves!...
Nem figura. Nem sepultura.
Nem peso nem divisões
entre a terra e os pés
ou entre as pernas
e a cintura de um chapéu
que esteja enfeitado
com uma pena de falcão,
uma fita - e uma sineta.
Por dentro da carne - nenhum órgão.
Ó alma sem andaimes nenhuns!...
Fzzzz!....
Nem respirar. Nem caminhar.
Nem rumo. Nem coração.
É só onda
- a curva suspensa -
sem princípio nem fim.
Sombra, rasto
- poeira ou espuma -
que é como a cauda
de uma estrela infinita.
 Arde, arde, arde!...
Meu Deus... - como ardes!...
Já não somos
os escravos cardíacos das estrelas.
Baloiçamos do nosso coração
como um leve corpo descendente
que penda de um pára-quedas ao sol.
Não olhamos para baixo.
Não ficamos com vertigens.
Mas só com receita médica.
Nos países civilizados é assim.
Os opiáceos não circulam livremente,
ainda que os ingleses, esses rafeiros,
os trocassem no século XIX
por porcelanas, sedas e chá,
e por esse comércio se bateram
contra os chineses, ganhando
a ilha de Hong-Kong 
por cento e cinquenta e cinco anos.
Ai!... Feliz de ti
se te arrancam um dente
e colocam um implante
- estás como quem levou um soco na cara -
e como não leste a bula, andas tão contente,
nem sabes porquê, mas sentes 
que é melhor tomar mais um
daqueles comprimidos.
Sempre há o picante, o sono,
o álcool, o clorofórmio,
o sexo, as fantasias,
e talvez o adultério.
Montem a galope nas nuvens,
vá, não tenham vergonha!...
Eia!...
Cerimónias para quê?...
Em cima das nuvens pode-se fazer
nudismo e pairar à vontade,
tal como os anjos no tecto
da Capela Sistina em Roma.
Só há uma coisa
que é mesmo importante
que é não esquecer a bolsinha
com o leite de côco.
Porque aos que trepam ligeiros
pelas costas dos deuses
sempre é útil o gin, 
o vodka, o absinto,
as benzodiazepinas, 
o propofol - e o bronzeador.
Toca a trabalhar, portanto.
Já que a realidade não transige,
desligam-se uns neurotransmissores
do flébil sistema neuronal.
Sempre soubemos fazer isso.
Ah!.. mas quem diria -
que afinal haveria
receptores opióides
nos sistemas neuronais
do intestino?
Faz sentido.
O corpo sabia.
Assaz o estômago dói
quando se ama.
Deve ser por causa
dos receptores opióides
do intestino.










Afeganistão




Por todo este planeta, todos os dias, a todas as horas do dia, meu querido Extraterrestre, são praticados roubos, extorsões, violações, actos de tortura, de rapto e homicídio que ficam sem condenação, sem verdade, sem justiça, sem reparação - totalmente impunes.

São aos milhões, são incontáveis - estes actos. Os humanos tornam-se iguais a vespas que se chacinam umas às outras; iguais a montanhas que desabam num tremor de terra sufocando povos e animais, indistintamente; iguais às forças cegas que lançam um tsunami sobre uma cidade populosa, arrasando tudo.

Detenha-se por uns momentos no Afeganistão, meu querido Extraterrestre.

O Afeganistão é um grande país entre altas montanhas, sem mar, num enclave estratégico entre a China, o Paquistão, o Irão, o Uzbequistão, o Tajiquistão e o Turcomenistão, e que em tempos foi atravessado pela Rota da Seda. Rico em reservas minerais ainda por explorar, em petróleo, em gás natural, em pedras preciosas, em lítio, ouro, carvão, cobre, crómio e outros minérios raros, o Afeganistão é um dos países mais pobres do mundo, devido a mais de quatro décadas de guerra. Em 2007, o Serviço Geológico dos Estados Unidos estimou que os depósitos minerais por explorar no Afeganistão valem entre 900 bilhões a 3 trilhões de dólares, e houve até quem declarasse que o Afeganistão poderia ser a Arábia Saudita do lítio. Mas um terço da população afegã está deslocada devido aos conflitos armados e a maior parte vive com menos de um dólar por dia. O Afeganistão também é rico em água, em neve, em rios e em lagos, mas o país sofre dolorosamente com secas sucessivas, uma vez que não tem sistemas de irrigação, nem canalização, nem saneamento. A esperança de vida de um homem nascido neste país não ultrapassa os quarenta anos - e apenas vinte por cento das mulheres e metade dos homens tem acesso à instrução. Desde a intervenção dos Estados Unidos iniciada em 2001, a produção de ópio tem vindo a aumentar e o Afeganistão transformou-se no maior produtor de ópio do mundo, à frente da Birmânia, em 2007. Esta produção equivale a 64 bilhões de dólares, mas apenas um quarto deste valor reverte para os agricultores e suas famílias, cerca de duzentas mil. Calcula-se que mais de um milhão e quinhentas mil pessoas dependam desta produção. O resto reverte para os oficiais de distrito, os rebeldes das milícias e grupos armados, os senhores da guerra e os traficantes de droga.

Dilacerado desde 1978 pela guerra civil que eclodiu com a revolução marxista e que os Estados Unidos e a Arábia Saudita, através do Paquistão, por um lado, e a União Soviética, por outro lado, subsidiaram, o Afeganistão tem sido varrido ao longo de décadas por uma violência que já produziu milhões de mortos e de refugiados. Desde aí o caos tem vindo sempre a instalar-se, com a emergência de sucessivos grupos armados, entre os quais se destacaram os Taliban, um grupo que se originou a partir da «Assembleia de Cléricos Islâmicos», o quinto maior partido paquistanês e que era responsável pela coordenação e direcção das escolas destinadas aos refugiados afegãos, no Paquistão. Em 1994, e muito antes da eclosão do ISIS, foram os Taliban quem impôs um dos mais ferozes regimes de violência, medo e opressão às mulheres, meninas e raparigas, através da implementação da Sharia ou lei islâmica nas zonas dominadas, e Osama Bin Laden e o movimento Al-Qaeda, responsáveis pelo ataque terrorista às torres gémeas em 2011, foram também longamente protegidos e apoiados por este grupo, no interior do Afeganistão.

Apesar de todos os esforços dos Estados Unidos e das Nações Unidas para derrubar os Taliban e apoiar o desenvolvimento do Afeganistão, os primeiros meses de 2015 foram os mais violentos de qualquer outro período registado. A UNAMA (Missão de Assistência ao Afeganistão das Nações Unidas) registou quase 1600 mortos e mais de 3000 feridos só no primeiro mês de 2015, apenas entre civis. E a violência contra as mulheres, as ameaças, intimidação e ataques de defensores de direitos humanos e activistas têm continuado a perpetrar-se num clima de total impunidade, com o governo sem conseguir investigar os casos que são denunciados, nem trazer os suspeitos a julgamento. Atacados com bombas e granadas, quer por elementos governamentais, quer por grupos armados não governamentais, acossados, ameaçados ou simplesmente assassinados, os defensores dos direitos humanos e em particular as mulheres que participam na vida pública, estão em grande risco no Afeganistão. Foi o caso da Senadora Rohgul Khairzad, que ficou gravemente ferida quando o seu carro foi incendiado e que viu morrer dois filhos de sete anos, enquanto a terceira filha, de onze, ficou paralisada.

Meu querido Extraterrestre, parece que os países nos repetem, em transes hirtos, petrificados, manchados de horror e de sangue e na trama do seu imenso calvário, tremendo, inenarrável, que se apaga no choro e nos gritos silenciados das mães, a história dos homens, essa mesma história que se conta igual a si mesma desde tempos imemoriais. Porque pouco significam os bens materiais para a felicidade dos povos, quando as virtudes da justiça, da equidade, da magnanimidade, da temperança, da verdade e da paz os não acompanham.

Alguns de nós, os que conseguem crer num Deus já estabelecido ou fazer nascer uma nova fé num credo ainda por inventar, esses conseguem segurar-se nos pés e andar de olhos abertos sobre a Terra, por um milagre, por uma coincidência mágica e luminosa ou por uma improbabilidade do equilíbrio, que os deixa de pé, no meio da violência do movimento das galáxias, das estrelas que nascem e morrem e que se devoram umas às outras, mas aos outros, os sem fé e a quem os factos torpedeiam como rajadas de bolas em fogo, a toda a hora, esses lutam por aterrar neste planeta como um alienígena para quem a atmosfera terrestre seja o equivalente ao enxofre.

Não chegam sequer a ser exilados, desterrados. 

Logo à partida, tudo lhes é estrangeiro.