Igor Andropov




Igor Andropov era um daqueles rapazes, por assim dizer, ou demasiado ingénuo, ou demasiado bom.

Tinha por tarefa nesses tempos carregar laranjas de um lado para o outro, nos caminhos enlameados da aldeia, o poético Igor Andropov que era como um elemento solto e desencaixado no puzzle onde lhe acontecera nascer.

Um dia, ia Igor Antropov com os cestos de laranjas nos ombros, quando alguém o fez tropeçar.

Espalharam-se pela lama todas aquelas laranjas brilhantes.

- Olha o que fizeste!... - exclamou Igor Andropov.

- Ora!... Diz-me lá o que é que fiz?... - ripostou o outro. 

- Entornaste as minhas laranjas...

- Ai sim?... Como?...

- Colocaste aqui um pé. Pregaste uma rasteira.

- O quê?!... Não me lembro de nada!...

- Eles bem viram. Esses com quem estás.

- Não vimos nada. 

E o mesmo se repetiu muitas vezes, nos dias seguintes, e nos anos seguintes.

As laranjas rolavam pela lama.

Igor Andropov não podia fazer grande coisa. Era apenas um contra muitos.

E ninguém se lembrava de nada.

- Dizes que ontem te aconteceu a mesma coisa?... Mas quem se lembra?...

Igor Andropov não estava certo de que houvesse verdadeiro dolo nessa amnésia de certo modo conveniente.

Um dia, Igor Andropov apareceu enforcado.

Não foi notícia, pois podia ser que a sua história inspirasse outros.

Disse-se apenas que Igor Andropov tinha morrido.

Na Alemanha, na Itália e na Dinamarca, no século XVIII, o Werther de Goethe foi proibido.

Aconteceu que muitos jovens imitaram o herói do romance, que se matou por amor.

No século I, Plutarco contou o caso das raparigas de Mileto, dizendo que todas tinham sido possuídas por um desejo de morrer e por uma vontade furiosa de se enforcar.

O que as terá inspirado, ou motivado?

Em Portugal, todos os dias o rio Tejo é dragado porque alguém se lança da Ponte 25 de Abril, mas é melhor que não se saiba.

Ainda bem que a falta de memória não é apenas uma debilidade natural do intelecto.

Para alguns é um benefício da natureza que em muito contribui para a paz das suas almas.