Primeiro Intervalo


 
Façamos, neste momento, o ponto da situação.
 
Como decerto se recordará, comecei logo no início deste blogue por apelar ao seu sentido crítico, caro leitor.
 
Tentei demonstrar-lhe, sem lhe ocultar as fragilidades evidentes de uma tal demonstração, como a questão de sabermos porque não somos contactados por extraterrestres é, de facto, pertinente.
 
Após breves mas perspicazes incursões científicas, arrasado com a incomensurabilidade do universo conhecido e especulado, propus-lhe então que olhássemos estritamente para o nosso planeta e, em particular, para o mais incompreensível e disseminado mito da era moderna do capitalismo neoliberal - o do crescimento infinito.
 
Foi neste contexto que lhe apresentei Charles Chaplin comendo serpentinas como se fossem esparguete.
 
Foi também a partir daí, meu caro leitor, humano, não-humano, ou extraterrestre, que iniciei o périplo para o qual não sei ainda se terei as forças necessárias. Questiono-me neste momento se serei realmente humano, porque não sei já de que lado é que estou, se do lado humano, se do não-humano.
 
Falei-lhe da violação em massa das mulheres na República Democrática do Congo, como estratégia de guerra, em luta pelos diamantes. Da carnificina em nome de Deus, em pleno século XXI, perpetrada pelo Estado Islâmico. Do casamento ou da violação legal das meninas no Novo Sudão. Da lapidação pública e dos crimes de honra no Paquistão, em que as raparigas tanta vezes são mortas pelos tios, pai e irmãos. Do tráfico humano no mercado negro global, por um lado, e da exploração legal mas infame do trabalho, por outro. E das crianças que matam.
 
Confessei-lhe, caro leitor, como, apesar deste nome de rei, eu, Orlando I, não sou mais que uma menina.
 
De olhos bem abertos. Continuemos.
 
Que nos sejam facultadas forças para prosseguir.
 
 
 

Crianças que matam 2


Boston
22 de Abril de 1874
 
Jesse Pomeroy, um rapaz que vivia num bairro extremamente pobre e que se destacava na cidade pela grande cabeça e lábio leporino, uma pupila quase branca e um certo atraso no desenvolvimento, espancou até à morte Horace Millen, um menino de quatro anos.
 
Já antes tinha sido preso por torturar e por bater em sete rapazes. Quando descoberto o cadáver de uma menina que estava enterrada debaixo do chão da casa da mãe, confessou ter morto outras vinte e sete crianças. Doze corpos foram finalmente desenterrados no terreno em torno da sua casa.
 
Jesse Pomeroy tinha catorze anos quando foi condenado a prisão perpétua sem contacto com nenhum ser humano. Viveu quarenta e um anos em solitária, tendo tentado o suicídio repetidas vezes. Aprendeu a escrever em várias línguas e gizou alguns planos para se evadir. Tinha esperança de um dia guiar um carro ou de voar num avião, mas morreu num hospital prisional, com 72 anos.
 
Da sua infância sabe-se que ele e a irmã eram despidos e chicoteados pelo pai nas traseiras da sua casa, até sangrarem.
 
Nova Iorque
2 de Agosto de 1993
 
Eric Smith, um rapaz sem amigos que era humilhado na escola pelas orelhas esquisitas, pelos cabelos ruivos, pelas sardas e pelo atraso que mostrava na aprendizagem, matou com duas pedras um menino de quatro anos, que sodomizou com um ramo de árvore.
 
William York, com dez anos, no século XVIII, matou a menina de cinco anos que dormia com ele na mesma cama, por ter feito chichi enquanto dormia.
 
William Allnut, com doze anos, em 1847, envenenou com arsénico toda a família.
 
Alfred Dancey, com catorze anos, em 1850, disparou até à morte sobre as crianças que o maltratavam e humilhavam na escola.
 
Marie Schneider, com doze anos, em 1886, matou uma criança de três anos, lançando-a de uma janela.
 
E tantos outros.
 
Barry Dale Loukaitis. Robert Thompson. Jon Venables. Todd Cameron Smith. Akiyoshi Umekawa. Luke Woodham. Tim Kretschmer. Lionel Tate. Yukio Yamaji. Charles Andrew Williams. Jasmine Richardson. Jasmiyah Kaneesha Whitehead. Tasmiyah Janeesha Whitehead. Eric Hainstock. Alyssa Bustamonte. Jeff Weise. Graham Young. Michael Barton. Paul Taylors. Josh Phillips. Carl Newton Mahan. Brian Lee Draper. Torey Michael Adamcik. Brenda Spencer. O assassino de Aniyah Batchelor...
 
(...)
 
Em cada crime há uma história por contar - ou uma história que é impossível de contar.
 
O que lhes aconteceu?
 
O que fizeram?
 
O que lhes fizeram?
 
A violência não se adorna, nem de razões, nem de discursos.
 
 
 
Horace Millen, vítima de Jesse Pomeroy
  


Crianças que matam 1


1968

Em Inglaterra, Mary Flora Bell, filha de uma prostituta que a terá vendido desde os quatro anos aos seus clientes, entre os dez e os onze anos estrangulou até à morte dois meninos.

Martin Brown, de quatro anos, e Brian Howe, de três anos.



«I murder so that I may come back.»
 
Escreveu Mary Bell nas paredes de um orfanato em Scotswood, que vandalizou, em conjunto com a sua amiga e cúmplice de treze anos, Norma Joyce Bell.