Expliquem-me só



Afinal, entre o esplendor
e a crueldade, onde ficamos?
Onde fica Jesus 
e a natureza 
com as cores sublimes,
as cores sublimes e esplendorosas
do mar, das searas douradas e das nuvens
que correm por todo o céu?
A natureza 
com o riso cómico de Deus,
Deus que ri no cavalo marinho 
e no olho torto
do camaleão - nada mais certo.
Deus que ri por todo o lado,
por todo o lado
ai Deus que não conseguimos imaginar
mas de quem compomos um riso de ternura
no koala e outro de escárnio
na hiena e outro de elegância e spleen -
no flamingo.
Expliquem-me só isto, 
talvez uma pequena coisa,
uma coisa de nada, uma coisa que talvez
seja uma mera insignificância
e que talvez nem valha 
um caracol 
se é que o valor
se mede em seres animados.
Esta bela natureza com os animais 
que se comem uns aos outros
rasgando a carne.
A natureza com milhões de vírus e bactérias
e solenes doenças e mortes trucidantes.
A natureza com a decomposição
dos corpos que até podem
resultar em rosas de vez em quando
ou por acaso. A natureza
com a beleza estonteante
que nos deixa bêbados de esplendor.
A natureza com a luz de Turner
e os penhascos 
de Caspar David Friedrich.
A natureza divina 
e muda de Tarkovski.
A natureza 
com o sofrimento infinito,
o sofrimento infinito, infinito
dos loucos, dos miseráveis e das mães
que amam perdidamente os filhos.
Sofrimento de quem morre 
com falta de ar ou de justiça ou de amor
e dos outros que se sentem 
tão infinitamente sós
como o mais solitário 
de todos os elementos cósmicos -
os abandonados de Deus.
A natureza tão estranha
onde aterramos sem aviso,
como desconhecidos
como estrangeiros
como desterrados e condenados
 e onde temos tanta dificuldade
em perceber qualquer coisa.
Não percebemos 
nada de nada.
Deambulamos 
entre o fascínio
e o pavor - na natureza.
Nós, quase à beira da loucura
 à espera da hora da nossa morte -
com uma certa elegância
ou sem elegância nenhuma,
apenas com as lágrimas
que já secaram na alma
 antes de chegarem ao rosto.
Estou tão longe, tão longe...
cada vez mais: 
sofro de misantropia.
Dói-me a garganta, muito.
E o peito, já não o suporto.
É possível que doa assim tanto 
a angústia?
A hora - onde está?
A hora não chega.
Estou cansado.
O pó da morte até me parece 
uma coisa agradável.



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último poema




É um facto. 
Há quem gaste milhões
para comprar dias de sol
e viajar, em belas cadeiras de avião,
para Lanzarote. 
Ai sol... ai sol... 
ai mar de verde azul.
E nós que tanto amámos o sol,
nós a quem um dia de sol 
talvez salvasse de muito, 
como a Pessoa, nós agora
só queremos ir para a Suécia 
no solstício de Inverno,
quando os dias estão mais negros
e nem sequer existem.
Ai - escuridão!...
Ai - noite infinita!...
Ai cinza de veludo suave 
com que choram as nuvens.
Não às Caraíbas. Não
às praias de Moçambique.
Não ao Dubai.
Não à Tailândia.
Não à luz incandescente 
das primaveras faiscantes
que agora de repente nos oprimem -
como antes nos empolgavam.
Não às Canárias.
Não queremos o sol da Costa Rica, 
nem de Cabo Verde, 
nem de Cuba, nem de Barbados, 
nem da Califórnia.
Como nos consolam 
as tardes sombrias.
Como é alegre e delicado
o subtil e raro nevoeiro.
Como é suave a lua
e toda a luz de prata fina
com que se timbra a noite.
 Como nos embala a buzina
intermitente que orienta os navios
do mar invisível 
que agora as nuvens cobrem.
Que o céu nos venha rasar os pés -
que bela maravilha!...
Não à brancura que agride
uma pobre cinza interior
e que agora nos faz amar,
acima de tudo,
o nevoeiro londrino
e os dias escuros e chuvosos.
Não passes, suave Inverno!...
Fica para sempre!...
Deixa gelar por todo o lado
os botões das flores!...
Deixa as sementes abrigadas
a dormir debaixo da terra!...
Ah!... 
Não venhas, Primavera!...
Não venhas, esfuziante Verão!...
Pareces um palhaço exagerado.
Ao menos que a natureza 
esteja de acordo connosco
e, se não conseguimos mais chorar,
então que o céu chore por nós.