último poema




É um facto. 
Há quem gaste milhões
para comprar dias de sol
e viajar, em belas cadeiras de avião,
para Lanzarote. 
Ai sol... ai sol... 
ai mar de verde azul.
E nós que tanto amámos o sol,
nós a quem um dia de sol 
talvez salvasse de muito, 
como a Pessoa, nós agora
só queremos ir para a Suécia 
no solstício de Inverno,
quando os dias estão mais negros
e nem sequer existem.
Ai - escuridão!...
Ai - noite infinita!...
Ai cinza de veludo suave 
com que choram as nuvens.
Não às Caraíbas. Não
às praias de Moçambique.
Não ao Dubai.
Não à Tailândia.
Não à luz incandescente 
das primaveras faiscantes
que agora de repente nos oprimem -
como antes nos empolgavam.
Não às Canárias.
Não queremos o sol da Costa Rica, 
nem de Cabo Verde, 
nem de Cuba, nem de Barbados, 
nem da Califórnia.
Como nos consolam 
as tardes sombrias.
Como é alegre e delicado
o subtil e raro nevoeiro.
Como é suave a lua
e toda a luz de prata fina
com que se timbra a noite.
 Como nos embala a buzina
intermitente que orienta os navios
do mar invisível 
que agora as nuvens cobrem.
Que o céu nos venha rasar os pés -
que bela maravilha!...
Não à brancura que agride
uma pobre cinza interior
e que agora nos faz amar,
acima de tudo,
o nevoeiro londrino
e os dias escuros e chuvosos.
Não passes, suave Inverno!...
Fica para sempre!...
Deixa gelar por todo o lado
os botões das flores!...
Deixa as sementes abrigadas
a dormir debaixo da terra!...
Ah!... 
Não venhas, Primavera!...
Não venhas, esfuziante Verão!...
Pareces um palhaço exagerado.
Ao menos que a natureza 
esteja de acordo connosco
e, se não conseguimos mais chorar,
então que o céu chore por nós.