LEITURAS - KARL MARX

 
«Uma mercadoria parece à primeira vista uma coisa evidente, material.» - afirma Karl Marx, no final do primeiro capítulo d'O Capital.
 
Pense-se num pacote de acúcar, ou numa mala da Gucci, são coisas materiais e evidentes, não concorda?
 
«Da respectiva análise resulta porém que a mercadoria é uma coisa muito complicada, plena de subtileza metafísica e de caprichos teológicos.»
 
Reflicta-se um pouco nas mercadorias assinadas (por exemplo, na mala da Gucci) e na auréola brilhante que para certos grupos de crentes (não tão pequenos e pouco disseminados como acreditaríamos que fossem) parecem trazer consigo, na aura mágica que arrastam e no prestígio de que se sente possuído o seu portador.
 
«Enquanto valor de uso, nada há de misterioso na mercadoria (...).»
 
Pois o açúcar serve para adoçar - e uma mala serve para transportar coisas.
 
«É evidente que o homem transforma as formas das matérias naturais de uma maneira que lhe é proveitosa. Por exemplo, a forma da madeira é transformada quando a partir dela se faz uma mesa. Não obstante, a mesa continua a ser madeira, uma vulgar coisa sensível. Mas, logo que se apresenta como mercadoria, a mesa transforma-se numa coisa ao mesmo tempo sensível e supra-sensível. Não só assenta os pés, antes sucede que, face a todas as outras mercadorias, se coloca de pernas para o ar e, a partir da sua cabeça de madeira, desenvolve extravagâncias, muito mais estranhamente do que se começasse a dançar por vontade própria.»
 
Caro leitor, caro extraterrestre, sente-se chocado se lhe dissermos que as coisas se põem de pé e que além de se levantarem do chão ainda se põem de pernas para o ar, que têm forças próprias e poderes quase mágicos, que esticam as cabeças e desenvolvem caprichos e extravagâncias?
 
Você não acredita que coisas sem alma se movam com vida própria, pois não?
 
Como é que um ídolo de madeira e barro, o ceptro dourado de um sacerdote senil, um pacote de açúcar ou uma mala da Gucci podem acorrentar o desejo dos homens, impor-lhes a sua vontade própria e orientar as suas vidas?
 
Meu querido leitor extraterrestre, se você quiser conhecer um planeta onde a inteligência ficou refém de mercadorias e de coisas assinadas, um planeta em que os humanos passaram a ser propriedade das suas próprias produções, não hesite, venha visitar-nos!
 
Decerto ficará estupefacto e encantado por poder testemunhar um estágio da evolução da consciência no cosmos em que a grande maioria dos seres pensantes ainda não percebeu que a revolução pós-capitalista só começará quando em massa for de uma evidência atroz que as vontades e as almas não andam a mando do comércio das coisas. 
 
 

  
 *«O carácter de fetiche da mercadoria e o seu segredo» in O CAPITAL.