Num outro dia

 


Apetece-te morrer, rapariga,

mas vais varrer o chão.

Arrumas a roupa 

que está nesse canto

e sorris a uma criança 

porque às crianças

não se rouba o riso.

Apetece-te morrer, rapariga,

e ninguém sabe porquê,

mas tu sabes

(quem te dera não saber).

Apetece-te morrer,

mas escolhes os legumes para a sopa,

com cuidado,

e fazes uma sopa

realmente deliciosa.

Para ti, não tem sabor.

Onde está a velha alegria

de escolher legumes para a sopa?

Apetece-te morrer, rapariga,

mas caminhas à beira-mar

como se tudo te fosse estrangeiro

e tudo mudo e surdo

como se o canto das cores

para sempre tivesse parado

numa batida do teu coração.

Não podes abrir um livro.

Cada palavra 

é uma guilhotina da alma.

Não podes ir buscar 

as pequenas mortes,

essas mortes antigas 

com que em tempos

foste buscar forças para viver.

Já as usaste todas.

Varrer o chão não está mau.

Tudo o que tenha a nulidade

do que é mecânico

não parece mau.

Mas sabes que partir

é a coisa mais suave.

Sabes que és um raio de luz.

Já experimentaste.

Estiveste lá e regressaste

e então porque não ir e não voltar?

Apetece-te morrer, rapariga,

mas vais estender a roupa.

Arranjas o teu cabelo

e pões pérolas nas orelhas.

Que lindas pérolas.

Onde estão as tuas lágrimas?

Esperas que num outro dia

a incandescência das árvores no esplendor

possa vir de novo 

pegar fogo à tua alma

e, quem sabe, reduzi-la a cinzas.



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