Pensei que era um poema




Meu querido Extraterrestre,
pensei que era um poema.
- "Breitbart"
baluarte
da "alt-right" -
mas era só
uma notícia de jornal
sobre um site americano
que também podia ser
colombiano coreano
ucraniano angolano
nigeriano peruano
iraniano australiano
humano ou desumano
afinal um desses tantos
sites e sítios
que destilam
veneno contra feministas
mulheres feias
tristes ou velhas
raparigas
demasiado boas
contra negros
contra índios
contra russos e ateus
e os que levam no cu
segundo eles
transsexuais e mexicanos
muçulmanos mulatos
travestis putas e pobres
revoltados inconformados
activistas e progressistas
esquerdistas comunistas
e fervor por chauvinistas
por racistas
por brancos
por ricos
por católicos
por liberalistas
por machos e por machistas
altruístas
"Breitbart"
baluarte
da "alt-right"
que giro
pensei que era um poema
e que até podia 
continuar
rá-te ráte
bright blight
estandarte
de ruindarte
byte bite 
fight plyght
e que belo fraque
só que este mundo 
e gireza - de facto -
meu querido Extraterrestre,
não combinam.







Nós os humanos 1...




Será que você, meu caro Extraterrestre, um dia colocando os pés na terra (se é que os tem), será capaz de identificar um Humano?

Hoje em dia entre nós os humanos é bastante comum, em todas as áreas, que um grupo isolado se componha de elementos homogéneos, formando, como tão bem analisou esse filósofo visionário, o extraordinário Karl Marx, «um órgão particular de um mecanismo total». (1) Assim, é possível observar que uma família, até mesmo um casal, uma direcção, um grupo de operários, uma associação de estudantes, uma escola, uma linha de montagem, um departamento, uma secção de hospital ou uma secretaria tendem a comportar-se como membros ou órgãos de mecanismos que os transcendem, o que se nota em particular no sintoma de uma degradação das actividades propriamente individuais e criativas (tantas vezes inúteis, gratuitas, ou simplesmente prolongadas), a favor das actividades colectivas e mecânicas, amiúde repetitivas, regulares e irreflectidas, mas eficientes e rápidas.

A tendência para nos compormos assim em peças de máquinas ou órgãos de mecanismos obedece sempre a um princípio de eficácia, como tão bem observou Karl Marx. Foi também ele quem observou que, como membro do trabalhador colectivo (a fábrica, ou o sistema), o trabalhador parcelar se torna tanto mais perfeito quanto mais parcelar e incompleto. Um trabalhador assim não exige tanto esforço de educação, não consome tanto investimento e não tem, consequentemente, tanto valor, segundo este sistema. Como peça de máquina ele é, não só mais eficiente, como mais barato. O que resulta em que, no produto final, que em princípio mantém o mesmo valor, o custo de produção diminuiu na mesma medida em que o lucro aumentou. Isto foi bom para todos, ao que parece. Há cada vez mais abundância e lixo no mundo. Por isso, todos tentamos cooperar o melhor possível num tão maravilhoso sistema, nesta criação benemérita e extraordinária do homem moderno, o capitalismo. Haverá porventura sequer uma organização alternativa, meu caro Extraterrestre? Decerto que vocês também, seres luminosos, gentis e resplandecentes, inventaram um capitalismo que vos permitiu construir as vossas naves espaciais, à custa de algum excedente na produção de outros bens mais elementares, ou não é verdade?

Confesso-lhe, a única coisa que me preocupa neste momento é que, se nós os humanos, enquanto indivíduos - isto é, corpos separados -, com tanta facilidade tomamos parte em corpos maiores e perfeitamente organizados, transformando-nos então, ao contrário de outros seres autónomos e individualizados - em órgãos, membros e mesmo peças mecânicas de máquinas ou de engrenagens, se nós os humanos assim nos compomos, não como seres distintos uns dos outros, mas como células de um mesmo tecido, não se dará porventura o caso de estarem vocês os Extraterrestres a tentar contactar uma central nuclear, uma capital de distrito, uma rede de auto-estradas, um aeroporto ou uma fábrica de telemóveis, como se fossem um de nós?












(1) Marx, O Capital, Vol. I, Cap. XIV «O mecanismo geral da manufactura. As duas formas fundamentais: manufactura heterogénea e manufactura em série», p. 218.