Sahar, Maha, Hala e Yawaher



Muito vos tenho falado da Arábia Saudita, este país tão rico e onde as mulheres, nem sequer as princesas ou as filhas do Rei, têm voz.

Sahar, Maha, Hala e Yawaher, as filhas do Rei Abdullah bin Abdulaziz, estão condenadas a cumprir a sentença que o pai lhes decretou, mesmo depois da sua morte.

Ao denunciar as condições em que são drogados os presos políticos nos hospitais psiquiátricos, Hala foi ela mesma drogada, raptada de casa, deixada no deserto e por fim despejada na prisão de Olaysha, para mulheres. E por serem activas em questões como os direitos das mulheres e a luta contra a pobreza, Maha e Yawaher acabaram por ser drogadas também. Em 2014, vários órgãos de comunicação social conseguiram chegar à fala com as irmãs sauditas, que acabaram por descrever a forma como estavam a morrer à fome e à sede. A ex-mulher do rei saudita, Alanoud Alfayez, que vive em Londres, chegou a enviar uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a pedir ajuda para libertar as suas filhas, e, em chamada telefónica com o "New York Post", em 2015, as sauditas disseram ser agredidas por vários homens, incluindo os seus meios-irmãos que continuam a determinar o seu destino, após a morte do pai.

Estas são as princesas. Que história muda haverá para contar, em nome das outras mulheres?

Desde 2015 que não tem havido notícias de Sahar, Maha, Hala e Yawaher.



Voltar a Zipling-Zeppelin

Um pouco mais de morte ou de penumbra



Estamos em Junho de 2016. 

Uma mãe atirou-se do alto de uma ponte sobre o rio Cávado com o filho de seis anos ao cólo. Por um acaso, a mãe foi resgatada, enquanto o filho morria. Há poucos meses aconteceu o mesmo em Caxias. Uma mãe entrou nas águas geladas do rio com as duas filhas, uma ainda quase bebé e a outra de quatro anos. Ambas morriam enquanto a mãe, arrependida, saía das águas e chamava por elas.

Quantos pensamentos cabem em cinco segundos? Quantas imagens? Que arrependimento? Que medo? Poderemos sentir a separação dos corpos, o embate violento nas águas geladas, que nos entram pela boca? Poderemos algum dia pensar no intervalo de tempo entre a dor e a morte, entre a luta e a rendição?

Pensar é insuportável. Não temos mais lágrimas para chorar. Quando se chora muito, e todos o sabem, o crânio estala. É possível que se abram imperceptíveis fissuras nesses ossos lisos e é possível que se escape por aí uma parte da nossa alma ou que entre por aí um pouco mais de morte ou de penumbra. Num parque de diversões, um jacaré leva uma criança. Numa discoteca gay em Orlando, um maníaco dispara sobre trezentas pessoas. As milícias de Boko Haram matam de uma rajada vinte e quatro mulheres. Um louco esfaqueia e dispara sobre Jo Cox em plena rua. Um leão devora uma gazela. Um Tsunami arrasa uma cidade. Uma vespa morre entalada na porta. Um homicida escapa impune, depois de embrulhar uma menina num saco de lixo. Num estúpido acidente de carro, a carne dos mortos e dos feridos mistura-se com a chapa.

Nós os humanos não só vivemos num mundo em «que a vida sobrevive à custa da morte» (1), mas, mais ainda, meu querido Extraterrestre, vivemos num mundo em que deflagra um excesso gratuito de absurdo. Na verdade, um absurdo inútil, totalmente desnecessário, irrelevante. Meu querido Extraterrestre, no seu mundo todos os seres se devoram uns outros, numa cadeia de crueldade infinita? E Deus a tudo assiste sem interferir? As hienas também esperam que os leões saciem a fome, para comer os restos? E os cães e os gatos também andam abandonados pelas ruas das cidades, coxeando?

Pensar é insuportável. Dêem-nos antes duas garrafas de Vodka puro, com a mais elevada percentagem de álcool, e, se não for ilegal, dêem-nos absinto e deixem-nos desmaiar e retroceder à sensibilidade primeva de um molusco, que é melhor beber até ficar cego, amorfo e inconsciente do que viver num tal mundo, não concorda?


Polaroid de Andrei Tarkovsky no livro Instant Light: Tarkovsky Polaroids from Thames and Hudson




(1) Frederico Lourenço, post de 18/6/2016 (FB).

Uma bactéria é vida





Meu querido Extraterrestre, a quem paradoxalmente escrevo - pondere. O Director de Investigação do Centro Nacional de Investigação Científica de França, Jean-Pierre Luminet, acredita que estamos perto do momento em que iremos obter uma prova da existência de outras formas de vida no Universo. No entanto e como bem vê não espero por prova nenhuma para lhe dedicar a minha prosa arrevesada. 

"Creio que estamos muito próximo. Muito próximo pode ser alguns anos, no máximo vinte a trinta anos, para finalmente ter a certeza e a prova definitiva de que outras formas de vida existem no Universo", afirmou Jean-Pierre Luminet, em entrevista à agência noticiosa espanhola Efe.

"Com toda a probabilidade," - acrescentou o eminente Director - "serão relativamente primitivas." 

Não se ofenda, meu querido Extraterrestre!... Para o notável astrofísico francês, uma tal descoberta abrirá "um debate filosófico e científico e mudará a forma de pensar da Humanidade", e, apesar desse debate ser "muito mais importante" se a Terra receber "um sinal extraterrestre de uma civilização inteligente", Jean-Pierre Luminet ressalva que "uma bactéria é vida".

Por isso, defende que "faz falta um trabalho de explicação ao público, para que o impacto da descoberta seja suficientemente importante".

Ah!... Meu querido amigo, minha amantíssima e distante alma gémea!... Quão confinados parecemos estar no espaço que toca os nossos pés!... Observe agora que a humanidade, esta amálgama indefinível e paradoxal de bichos, santos, iluminados, assassinos, mercenários, corruptos, inocentes, inspirados, doentes, bestas, trôpegos, confundidos, observe agora que esta massa inclassificável tem «uma maneira de pensar»!... Ah!... Que falta me faz um mundo onde realmente se pense, nem que seja muito de vez em quando!... Como se pensar fosse assim uma coisa que se faz habitualmente, sem grandes riscos!... Como se pensar fosse uma actividade comunitária!... E veja como pressupomos ser do senso comum a noção de civilização inteligente!... Quem de entre nós os humanos saberá realmente o que é uma civilização inteligente?... Oh, meu querido Extraterrestre, console-se!... Sempre existe o digno estatuto das bactérias para todos os que na nossa imaginação inquestionada são inferiores a nós, já reparou?... Homo Sapiens Sapiens!... Só este título diz tudo, por isso não nos leve a mal... Um «Sapiens» apenas, aposto a «Homo», não seria já bastante despropositado?

Sabe, em Maio de 2016, a agência espacial norte-americana NASA anunciou a descoberta de mais de mil e duzentos planetas fora do Sistema Solar, dos quais nove reúnem condições para albergar vida.