A crueldade



Todas as partes envolvidas no conflito da Síria - xiitas, sunitas, Estado Islâmico e aliados -, são citadas por alguns ou por todos os crimes de guerra.
 
Violações. Expropriações. Roubos. Tortura. Morte de civis.
 
E o Estado Islâmico deixa o mundo paralisado com os seus actos de crueldade e barbárie que são divulgados em vídeos no youtube e que circulam pela internet.
 
Homossexuais que são lançados de um oitavo andar amarrados a uma cadeira.

Cidades e ruínas milenares reduzidas a pó com bombas e bulldozers. 
 
Espiões afogados dentro de uma jaula no fundo de um rio, enquanto uma câmara subaquática lhes filma a agonia.
 
Mulheres escravizadas, vendidas ou dadas como prémio a um louco que se entretenha a decorar o Alcorão.
 
A crueldade é como um fluxo, uma força mecânica que anula a vontade dos homens - ou como uma doença?
 
É como um animal interior e secreto que está apenas domado pelas circunstâncias da civilização moderna, prestes a saltar e a atacar no deserto ardente da revolta e do desespero?
 
Ou será o verdadeiro e o mais feroz rosto dos homens?

A máquina absurda e real que inscreve os tentáculos do poder nos corpos, através da dor?
 
E que ainda assim não deixa de ser o resto repelente e vingativo do que sobra quando lhes são arrancadas as almas, aos homens, como um horrível corpo sangrento que progride e que anda, apesar de esfolada a pele?

As crianças também matam - você já olhou bem para o rosto de um verdadeiro assassino?

Há sempre qualquer coisa que falta no rosto de um assassino.

Um movimento falta, há qualquer coisa de subtilmente parado, na carne das faces que se deixam ficar imóveis, caindo sobre os ossos.

Qualquer coisa falta nesses rostos - e falta qualquer coisa no brilho que está no fundo dos olhos - o quê?

Será porventura qualquer coisa afim da simpatia ou da vergonha, esses mesmos afectos que nos fazem sorrir ou crispar perante as câmaras, alisando as roupas com um excesso de pudor ou de brio... mas outras vezes também há aí um excesso... nesses rostos, um excesso de ódio.
 
E a indiferença parece ser a mãe dilecta da crueldade.

Põe-se a nu  e à tona uma estranha amputação da alma - uma tremenda atrofia da sensibilidade.
 
Se já não sinto a minha dor - como sentirei a dos outros?

No dia em que as lágrimas pararem de correr pela sua face, caro leitor, seja ela humana, extraterrestre ou não-humana, nesse dia, caro leitor, existe um mundo inteiro que está em risco.

O mundo que hoje mesmo está em risco - agora.

O nosso mundo.