Afeganistão




Por todo este planeta, todos os dias, a todas as horas do dia, meu querido Extraterrestre, são praticados roubos, extorsões, violações, actos de tortura, de rapto e homicídio que ficam sem condenação, sem verdade, sem justiça, sem reparação - totalmente impunes.

São aos milhões, são incontáveis - estes actos. Os humanos tornam-se iguais a vespas que se chacinam umas às outras; iguais a montanhas que desabam num tremor de terra sufocando povos e animais, indistintamente; iguais às forças cegas que lançam um tsunami sobre uma cidade populosa, arrasando tudo.

Detenha-se por uns momentos no Afeganistão, meu querido Extraterrestre.

O Afeganistão é um grande país entre altas montanhas, sem mar, num enclave estratégico entre a China, o Paquistão, o Irão, o Uzbequistão, o Tajiquistão e o Turcomenistão, e que em tempos foi atravessado pela Rota da Seda. Rico em reservas minerais ainda por explorar, em petróleo, em gás natural, em pedras preciosas, em lítio, ouro, carvão, cobre, crómio e outros minérios raros, o Afeganistão é um dos países mais pobres do mundo, devido a mais de quatro décadas de guerra. Em 2007, o Serviço Geológico dos Estados Unidos estimou que os depósitos minerais por explorar no Afeganistão valem entre 900 bilhões a 3 trilhões de dólares, e houve até quem declarasse que o Afeganistão poderia ser a Arábia Saudita do lítio. Mas um terço da população afegã está deslocada devido aos conflitos armados e a maior parte vive com menos de um dólar por dia. O Afeganistão também é rico em água, em neve, em rios e em lagos, mas o país sofre dolorosamente com secas sucessivas, uma vez que não tem sistemas de irrigação, nem canalização, nem saneamento. A esperança de vida de um homem nascido neste país não ultrapassa os quarenta anos - e apenas vinte por cento das mulheres e metade dos homens tem acesso à instrução. Desde a intervenção dos Estados Unidos iniciada em 2001, a produção de ópio tem vindo a aumentar e o Afeganistão transformou-se no maior produtor de ópio do mundo, à frente da Birmânia, em 2007. Esta produção equivale a 64 bilhões de dólares, mas apenas um quarto deste valor reverte para os agricultores e suas famílias, cerca de duzentas mil. Calcula-se que mais de um milhão e quinhentas mil pessoas dependam desta produção. O resto reverte para os oficiais de distrito, os rebeldes das milícias e grupos armados, os senhores da guerra e os traficantes de droga.

Dilacerado desde 1978 pela guerra civil que eclodiu com a revolução marxista e que os Estados Unidos e a Arábia Saudita, através do Paquistão, por um lado, e a União Soviética, por outro lado, subsidiaram, o Afeganistão tem sido varrido ao longo de décadas por uma violência que já produziu milhões de mortos e de refugiados. Desde aí o caos tem vindo sempre a instalar-se, com a emergência de sucessivos grupos armados, entre os quais se destacaram os Taliban, um grupo que se originou a partir da «Assembleia de Cléricos Islâmicos», o quinto maior partido paquistanês e que era responsável pela coordenação e direcção das escolas destinadas aos refugiados afegãos, no Paquistão. Em 1994, e muito antes da eclosão do ISIS, foram os Taliban quem impôs um dos mais ferozes regimes de violência, medo e opressão às mulheres, meninas e raparigas, através da implementação da Sharia ou lei islâmica nas zonas dominadas, e Osama Bin Laden e o movimento Al-Qaeda, responsáveis pelo ataque terrorista às torres gémeas em 2011, foram também longamente protegidos e apoiados por este grupo, no interior do Afeganistão.

Apesar de todos os esforços dos Estados Unidos e das Nações Unidas para derrubar os Taliban e apoiar o desenvolvimento do Afeganistão, os primeiros meses de 2015 foram os mais violentos de qualquer outro período registado. A UNAMA (Missão de Assistência ao Afeganistão das Nações Unidas) registou quase 1600 mortos e mais de 3000 feridos só no primeiro mês de 2015, apenas entre civis. E a violência contra as mulheres, as ameaças, intimidação e ataques de defensores de direitos humanos e activistas têm continuado a perpetrar-se num clima de total impunidade, com o governo sem conseguir investigar os casos que são denunciados, nem trazer os suspeitos a julgamento. Atacados com bombas e granadas, quer por elementos governamentais, quer por grupos armados não governamentais, acossados, ameaçados ou simplesmente assassinados, os defensores dos direitos humanos e em particular as mulheres que participam na vida pública, estão em grande risco no Afeganistão. Foi o caso da Senadora Rohgul Khairzad, que ficou gravemente ferida quando o seu carro foi incendiado e que viu morrer dois filhos de sete anos, enquanto a terceira filha, de onze, ficou paralisada.

Meu querido Extraterrestre, parece que os países nos repetem, em transes hirtos, petrificados, manchados de horror e de sangue e na trama do seu imenso calvário, tremendo, inenarrável, que se apaga no choro e nos gritos silenciados das mães, a história dos homens, essa mesma história que se conta igual a si mesma desde tempos imemoriais. Porque pouco significam os bens materiais para a felicidade dos povos, quando as virtudes da justiça, da equidade, da magnanimidade, da temperança, da verdade e da paz os não acompanham.

Alguns de nós, os que conseguem crer num Deus já estabelecido ou fazer nascer uma nova fé num credo ainda por inventar, esses conseguem segurar-se nos pés e andar de olhos abertos sobre a Terra, por um milagre, por uma coincidência mágica e luminosa ou por uma improbabilidade do equilíbrio, que os deixa de pé, no meio da violência do movimento das galáxias, das estrelas que nascem e morrem e que se devoram umas às outras, mas aos outros, os sem fé e a quem os factos torpedeiam como rajadas de bolas em fogo, a toda a hora, esses lutam por aterrar neste planeta como um alienígena para quem a atmosfera terrestre seja o equivalente ao enxofre.

Não chegam sequer a ser exilados, desterrados. 

Logo à partida, tudo lhes é estrangeiro.