Impunidade



Em 14 de Julho de 2008, Omar al-Bashir, nascido em 1944, foi o primeiro presidente a quem foi emitido um mandato internacional de captura pelo Tribunal Penal Internacional de Haia. Apesar das Nações Unidas não classificarem como genocídio o que se passou em Darfur, em 2004, Omar al-Bashir foi acusado pelo Tribunal de Haia de organizar uma campanha de assassínios em massa, violações e pilhagem contra a população civil de Darfur. Em 2004, Colin Powell, Secretário de Estado dos Estados Unidos, tinha descrito como genocídio o ataque armado do governo sudanês contra os civis, mas nenhum outro membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas seguiu o seu exemplo. Omar al-Bashir já foi eleito por maioria absoluta três vezes consecutivas em eleições que são suspeitas de corrupção, e, em 2015, viajou até à África do Sul, que ignorou o mandato de captura internacional e que o deixou partir impunemente, tal como, em 2010, no Quénia.

A guerra em Darfur começou em Fevereiro de 2003 quando os grupos rebeldes que pertenciam ao «Movimento de Libertação Sudanesa» e ao «Movimento para a Justiça e Igualdade» começaram a lutar contra o governo do Sudão, que acusavam de oprimir e descriminar a população não-árabe da região. Lutaram inicialmente contra o exército sudanês e depois contra milícias recrutadas entre africanos arabizados e beduínos e contra o grupo Janjaweed, que o governo afirmou não financiar, contra a evidência dos factos. 

Logo depois da entrada dos Janjaweed no conflito, uma milícia composta por elementos de tribos nómadas arábes do Sudão, que sempre estiveram em conflito com a população sedentária de Darfur na luta pela água e pelas terras, começaram a ser denunciadas as violações de guerra sistemáticas perpetradas pelo grupo, de que foram alvo inclusivamente crianças de dois anos. Esta estratégia de guerra foi indicada como consistente com o objectivo governamental de eliminar a presença de africanos negros e não-arábes de Darfur. O «Washington Post Foreign Service» entrevistou várias vítimas comprovadas destes ataques que reportaram como os termos «abid» (escrava) e «zurga» (negra) foram sistematicamente usados. A Sawelah Suliman terão dito: «Rapariga negra, tu és demasiado escura. És como um cão. Queremos fazer-te um bebé claro.» (1)

O ministro dos assuntos humanitários do Sudão, Ahmed Haroun, e o líder da milícia Janjaweed, Ali Hushayb, foram acusados pelo Tribunal de Haia por cinquenta e um crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Mas o Sudão não reconhece a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Ahmed Haroun terá dito que não se sente culpado, que a sua consciência está limpa e que está pronto para se defender. (2)

Não se sabe ao todo quantos milhares de pessoas morreram no conflito, ou por violência directa, ou por fome e desidratação, durante as fugas, ou por doença. Ascenderão, com toda a probabilidade, a mais de meio milhão de pessoas. Ainda em Setembro de 2016 é relatado que o governo sudanês terá lançado armas químicas sobre a população civil de Darfur, tendo morto mais de duzentas e cinquenta pessoas, na sua maioria crianças. O conflito tem gerado uma enorme crise de refugiados, com mais de dois milhões de pessoas deslocadas, a maioria em campos esquálidos em Darfur ou no Chade, aos quais as equipas de ajuda humanitária quase não conseguem acesso. O Sudão é um dos maiores países de África e um dos mais ricos em petróleo, urânio e gás natural, ainda que a sua população seja uma das mais pobres do mundo. A China, com amplos interesses e importantes cotas na exploração do petróleo sudanês, nega o tráfico de armas que os observadores identificam e que têm proveniência chinesa.

Que voz podemos encontrar para o testemunho de um tal desastre?

Que voz para o desespero por um mundo de onde Deus desertou?

Quem nos fala hoje de Darfur?

Até a notícia urgente das tragédias do mundo flutua ao sabor das modas e dos caprichos dos grandes!...

Tão culpados como os criminosos, são as testemunhas que baixam os olhos.

Tão torpes como os carrascos, são os que ficam em silêncio e de mãos imóveis.

Que reparação para as crianças violadas e para os inocentes mortos e desmembrados?

Que condenação para o ódio, para as casas em fogo, para os pés em sangue?

A União Africana declarou que 2016 fosse o ano dos Direitos Humanos em África.

Mas todas as palavras por cumprir deveriam arder-nos na garganta e deixar em cinzas a nossa alma inteira, para o resto da eternidade.



Vilas destruídas em Agosto de 2004










(1) http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/articles/A16001-2004Jun29.html

(2) http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/6404467.stm