As galáxias, os quatro elefantes e a tartaruga


Poderá do contacto com a vida inteligente eventualmente gerada noutros pontos do universo advir por fim a tão almejada salvação messiânica, enfim uma Nova Era de Ouro que para sempre nos redima de todas as ignóbeis e famigeradas fraquezas do carácter e da carne, que de um modo tão implacável nos consomem, a nós, a denominada humanidade?
 
Virão em espantosas naves fulgentes e douradas esses membros soberbos de um luminoso exército extraterrestre separar com espadas de luz e fogo o trigo do joio, o bom do mau, o santo do vil, extraindo para sempre o sal das almas e realizando enfim a promessa de uma justiça reparadora, final e definitiva, afinal, sempre adiada?

Ou, pelo contrário, será que essa forma de vida extraterrestre é de tal ordem que se desenvolveu totalmente fora dos limites daquilo que conhecemos por «vida» e que, portanto, e à semelhança de uma sinfonia ou de um quarteto que um génio alienígena tivesse composto com sons abaixo dos vinte hertz, ou acima dos vinte mil hertz, apenas seja perceptível para um cão, um morcego ou um golfinho, escapando desse modo de uma forma total e completa aos limites entre os quais se encerra a nossa capacidade de tornar inteligíveis as coisas que se apresentam aos sentidos?

Se é verdade que certa temperatura, certa composição da atmosfera, certo grau de humidade e mesmo a duração e a intensidade de conhecidas privações menores, quando comparadas com a ideia de arder em menos de um fogacho à temperatura de quatrocentos e sessenta graus Celsius na superfície de Vénus, ou de congelar em menos de um nano-segundo à temperatura de cento e trinta graus negativos no interior das chamas geladas do gás de Saturno, isto é, se é um facto que privações menores como a fome, o frio, a sede e a solidão nos podem aniquilar em muito menos tempo do que se imagina, e se mesmo estas triviais limitações nos proíbem a ideia de uma viagem fácil ao descarnado satélite que é o mais próximo de todos em relação ao nosso planeta, a lua, então que dizer dos tremendos obstáculos às viagens intergalácticas que nos poriam em contacto com terras, jardins e paraísos em tudo semelhantes ao nosso, e, para cúmulo da nossa alegria, com os avançados anjos dissemelhantes de tais formas de vida híper-distantes?

Não é certo, porém, que as reacções químicas típicas dos organismos que conhecemos neste nosso variegado, belo e colorido planeta sejam o único ponto de partida para a existência de vida no universo.

Podemos imaginar uma forma de vida extraterrestre que habite nas frequências do inaudível e do invisível, fora dos nossos olhos e dos nossos ouvidos, uma vida extraterrestre que se tenha evadido da geometria para singrar no inimaginável que não se rende ao espaço-tempo com que a nossa pobre e pequena mente se resigna a medir o que é real?

É possível até que haja música de outras esferas nas sinapses insensíveis dos nossos cérebros e que os nossos pensamentos involuntários formem uma vasta colónia alienígena que imperceptivelmente tece e conquista as nossas almas do avesso.

É possível que haja pedra de planetas distantes e de outros asteróides no cálcio dos nossos ossos e no esmalte dos nossos dentes.

Não sabemos sequer de que massa somos feitos, nem de que velocidades insensíveis e incapturáveis se compõem as nossas almas inclassificáveis.

Talvez venhamos a descobrir, não sei com que delicada alegria e juvenil surpresa, por muito velhos que então sejamos, que este universo constituído, segundo dizem, na sua grande parte por energia escura (ao que parece, são cerca de dois terços do universo que são formados por esta energia), uma energia cujos efeitos de atracção gravitacional negativa se medem numa escala de mil megaparsecs (e um megaparsec são três vírgula dois milhões de anos-luz...); que este universo constituído em cerca de um terço da sua totalidade por matéria negra, cujos efeitos de atracção se medem apenas numa escala de dez megaparsecs...; e que este universo por fim constituído, e só por fim!..., por cinco por cento de matéria normal - isto é, na sua grande parte hidrogénio e hélio e só depois estrelas, neutrinos e, ainda em menor quantidade, elementos pesados e mais familiares ao humano, tais como o carbono, o oxigénio, o azoto, o nitrogénio, o silício e o ouro -; talvez venhamos a descobrir que afinal todo este comboio de matérias paradoxais e energias de cores opostas caminha sustentado sobre quatro elefantes de pé em cima de uma grande tartaruga-do-mar, que afinal navega, não sobre as águas que banham as margens do infinito, mas sobre as almas energéticas, evanescentes, diáfanas e absolutamente eléctricas de todas as singularidades possíveis e impossíveis do cosmos, essências cristalinas e ultra-concentradas mas prestes a explodir à mínima e miraculosa oportunidade entretanto surgida, voando velozmente com um salto alegre e imediato para um desses mundos paralelos da matéria física concretizável.

Caro leitor, você consegue imaginar um megaparsec?