Uma ponderosa questão

 
Mesmo que não alcancemos qualquer acordo no que diga respeito a mais coisa nenhuma, havemos porém de concordar num ponto que será, se não do senso comum, pelo menos consensual.
 
Quero com isto dizer que havemos de pelo menos concordar, ainda que não cheguemos a ficar de acordo quanto a conceitos como «animal», «espécie», «vida», «humanidade» ou «barbárie», que o tempo é um dos bens mais preciosos que temos (sem excluir, como é evidente, a saúde geral que é necessária para gozá-lo), razão pela qual assentirá, meu caro leitor, em que não valerá a pena perdê-lo com questões inúteis.
 
Sendo assim, se saber porque é que os extraterrestres não nos contactam é ou não é mais uma dessas fúteis questiúnculas que nos desviam do nosso propósito primordial, o qual consiste muito simplesmente em disfrutar a nossa vida ao máximo, essa é uma ponderosa questão preambular que deve desde já ficar resolvida de uma vez por todas.
 
É com certeza do seu conhecimento, meu ilustre e culto leitor, que a vida extraterrestre tem ocupado mentes tão absolutamente díspares que na realidade poderiam preencher de um extremo ao outro a distância de um vasto expectro que começaria com Giordano Bruno, no século XVI, passaria por Jill Tarter, líder do SETI («Search for extraterrestrial intelligence»), já no século XX, e terminaria com Eugénio Siragusa, ainda no  século XX, um homem visionário que, segundo as suas palavras, foi «chamado» a meio da noite para uma longa caminhada ao longo do vulcão Edna, local onde encontrou os brancos anjos de uma Nova Era e foi ungido com um raio verde de uma tecnologia não terrestre, que o acalmou.

Ora, o que é certo, indiscutível, irrevogável e irrecusável é que, desde Copérnico, quando o universo deixou de girar à volta da terra e esta passou a ser um mero satélite do sol, e desde Giordano Bruno, que escreveu «Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos», nada voltou a ser como antes, e o pensamento humano sofreu um tal golpe que a partir daí talvez devêssemos deixar de o qualificar com um tal adjectivo - «humano».
 
Portanto, há que saber ou pelo menos especular, para alívio ainda que temporário das sangrentas e escaldantes esporas da nossa insaciável razão pura, faculdade essa que podemos com justiça descrever, não como uma senhora, mas como um louco cavaleiro que nos obriga a correr desenfreadamente pelas estepes e pelos desertos dos nossos dramas íntimos e delírios colectivos, estava eu a dizer - há que saber ou pelo menos especular porque é que do infinito e do alto das estrelas tantos milhões e triliões e zilhões de anos e tempos incomensuráveis e tantos sóis e planetas vivos nos contemplam, sem que um só, um apenas, um de entre milhares de milhões de triliões de zilhões se digne a contactar-nos, a nós, os notáveis humanos, com a urgência e a dignidade que naturalmente se impõe.

Posto isto, consideramos resolvida a ponderosa questão.